REFLEXÃO PASTORAL da Revda. Dr. Elvira Moisés Cazombo.
A reflexão tem motivação nos gritos e lamentações advindas
de vários lugares do mundo sobre a crise que assolapa as vidas e as economias.
As mortes e as incertezas pelo vida constituem a base para se pensar teológico
e pastoral naquilo que é ético aos olhos de Deus. Em meio a Pandemia o socorro
a água potável e a comida se fazem sentir todos os dias, por um lado. E por outro,
as assimetrias entre povos e nações vão marcando mais e mais o distanciamento
social e econômico entre o mundo dos poderosos e o mundo dos necessitados.
Nesta polarização o que fazer para se minimizar as controvérsias sociais:
empréstimo, ajudas humanitárias ou perdão as dívidas? Para se falar do perdão
da dívida ou ajuda dos países que gritam por socorro e a resposta dos que podem
socorrer torna-se conveniente recorrer às Sagradas Escrituras, especificamente
o texto de Deuteronômio como apoio básico. Eis o texto:
v.7 “Quando no meio de ti houver algum pobre, dentre
teus irmãos pobres, em qualquer das tuas cidades, na terra que o Senhor teu
Deus te dá, não endurecerá o teu coração, nem fecharás a tua mão ao teu irmão
pobre. V.8 Antes lhe abrirás de todo a tua mão e livremente lhe emprestarás o
bastante para a sua necessidade…”
1.
CONTEXTUALIZANDO
Estamos vivendo momentos de difícil descrição naquilo
que vemos nestes dias em curso. A vida desse e daquele, aqui ou acola vai
passando. Os planos econômicos, sociais e políticos que foram meticulosamente
traçados para serem materializados estão sendo destruídos. Sonhos viagens,
casamentos, nascimentos de novas vidas tudo planejados para acontecerem nestes
primeiros meses do ano de 2020 anulados ou frustrados. Enquanto esses planos estavam
sendo traçados em vários países da África, Europa, Américas, Ásia e Oriente
Médio, nos finais de 2019 o mundo recebia rumores de mortes e desestabilidades
sociais vindos de um país supostamente “distante” do resto do mundo, a China.
Até então o conceito de Oikomenus “casa comum”, o mundo não fazia jús,
pois mesmo pregado, falado ou estudado as implicações de sermos pertença do
mesmo globo, a materialidade da “casa comum” estava muito distante da
realidade. A casa comum tem implicações de movimentos sincronizados. Deus fez o
mundo a partir da visão de aldeia. Na aldeia se uma casa pegar fogo a outra
casa também e se não houver intervenções rápidas toda ela se destrói. A reinterpretação
da filosofia cartesiana “penso logo existo” pode ajudar a afirma: “eu penso
porque faço parte do outro, logo existo”. O mundo global a partir do olhar justo
de Deus nos compele para a mesma direção, o ponto de chegada.
Sim. O que parecia distante e pertencente a outrem,
num abrir de olhos estava presente em toda parte do mundo: da epidemia para a
pandemia e descrevendo-se para a catástrofe mundial. Este fenômeno tem o nome
de COVID-19. Um vírus visto apenas com lentes. É impressionante, um vírus
derrubando grandes economias mundial: bolsas de valores, ações bancarias, a
queda do petróleo, desvalorização cambial, e outros recursos. No sector humano
todos os meios de comunicação anunciavam e apresentam números avultados de
vidas sendo ceifadas a cada minuto. O suspiro da morte enche os peitos dos que
ainda estão em vida. Para se tentar
aliviar as angustias e sensações de mortes Sermões e hinos de louvores inundam
a humanidade. Orações por busca de auxilio são invocados. Porém tudo está
difícil.
Concomitantemente vários chefes de estados adotam
medidas de contenções na propagação do vírus. Eles decretam os estados de
isolamento (distanciamento) e por último os estados de emergências: “FICA EM
CASA”. O lema de ficar em casa, é a melhor tática para se combater (isolar) a
propagação rápida do vírus e a possibilidade de se pôr fim do mesmo. O paradoxo
está no facto de “Fica em casa” é igual a não trabalhar for do seu meio familiar.
Consequentemente, não há produção e nem produtividade. Em outros países ficar
em casa é visto em segundo plano. A Economia está antes a vida. Quantidade de
mortes por dia não justifica a quantidade da quebra de recursos financeiros nas
bolsas de valores e nos mercados de trabalho. Os países produtores de petróleo
vêm a desvalorização diariamente do mesmo produto com suspiros e percas de
horizontes, sendo comercializado num preço a baixo das estimativas. Entre
salvar a vida e salvar o mercado financeiro, ironicamente importa antes o
financeiro que a vida. Neste grande países as estatísticas apontam que a alta
taxa de mortalidade atinge mais aos desfavorecidos como os imigrantes e os majoritariamente
pobres.
As previsões da OMS para África são mais violentas e
catastróficas que em qualquer lugar do mundo Ocidental. Pois para África além
da morte por COVID-19 = a doença, também a fome resultado da grande recessão
econômica está para matar duplicadamente que o primeiro fator. Num “relatório de risco,
quase 369 milhões de crianças de 143 países, que normalmente dependem de
refeições escolares para uma fonte confiável de nutrição diária, agora têm sido
forçadas a procurar outro lugar.
Na sequência, para Michelle Nicolas devemos agir agora sobre
cada uma dessas ameaças aos nossos filhos. O secretário-geral da ONU, Antonio
Guterres salienta que os líderes devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance
para amortecer o impacto da pandemia. O que começou como uma emergência de
saúde pública tem se transformado em um formidável teste para a promessa global
de não deixar ninguém para trás[1]". Para este quadro que se desenha, vários Chefes de
Estados apelam auxilio ao FMI empréstimos para minimizar o impacto da crise na
vida das pessoas. Portanto, como falar no empréstimo se antes existe a dívida?
Biblicamente não se pode falar em empréstimo quando se tem dívida a menos que
se fale do perdão das dívidas, a remissão da dívida como única saída para a
crise. Ou seja, a visão profética e bíblica fundamentada no decálogo não
concebe um empréstimo quando alguém é devedor. A única via para África é a
remissão da dívida.
2. AFRICA CREDOR OU DEVEDOR?
A África é um continente tão milenar que outros. A
mobilidade social e comercial tem fundamentos históricos. É o continente onde a
arqueologia encontrara os fosseis dos primeiros seres humanos, o continente
berço. Em Genesis 1.1-25, o livro clássico da criação descreve que antes dos
humanos, Deus deu o formato a terra, fez a distinção entre as estações e os
dias, criou os seres vivos de acordo a multiplicidade de seres e de
representatividade. Após essa primeira ação percebeu a harmonia e coesão delas
e criou o homem e a mulher para povoarem e dominarem os espaços Gn 1.26-27. Sem
dúvidas esta narrativa criacionista contempla o continente africano e aos
demais continentes do mundo, ou seja estamos perante a criação da humanidade
sem distinção de raça ou classes socais. Nos textos intertestamentários relatos
bíblicos apontam África no diálogo com outras culturas e civilizações em
aspectos comerciais, poderios e de reinados. Para tal evidencia-se a presença
da rainha de Sabá, uma mulher economicamente poderosa para dialogar com o rei
Salomão, levando para ele pedras preciosas (2Cr.9.1-2ss). Outra evidencia está
no livro de Atos dos Apóstolos, o relato do Eunuco, homem influente
economicamente, que regressando de Jerusalém para a terra natal (Etiópia) se
encontra com Pedro que o batiza e este por sua vez é responsável pela expansão
do evangelho de Cristo (At. 8.26-39). Até a este período do cristianismo
nascente não se tem relatos de pobreza em África. A partir do Sec. XV com as
políticas de evangelização, expansão e a apropriação dos mentais o ocidente
invade o continente africano abrindo para tal um dos capítulos mais sangrentos
em assassinatos humanos, escravidão e espoliação de suas riquezas naturais e
biológicas. Em nome da evangelização e da expansão tecnológica o imperialismo
internacional ocupa e sedimenta o controle ideológico desapropriando os
aspectos culturais e cultuais para criar a dependência. Assistiu e se assiste a
África construindo os morros e as fortalezas da Europa e Américas. Detentora de
riquezas sem igual, os países africanos são sufocados em guerras “tribais”
tendo seus algozes o rosto invisível do imperialismo internacional. Em toda
parte do continente são saqueadas toneladas de mineiros para fortalecer as
economias e as transações financeiros-bancarias dos países do ocidente e
oriente. Em troca de avultados rombos de recursos implementa-se as políticas da
chamada “cooperação”. A partir da cooperação, se sedimentou as faces das
dependências ideológica e financeira, se legitimou sutilmente as aberturas para
as políticas e práticas de expropriação das riquezas e consequentemente o
nascimento da dívida.
Hoje perante a Pandemia FMI advoga que a África é um
dos continentes devedores dentre os demais.
Uma vez que a África faz parte da casa comum a
pandemia que até então estava na China chega por todo lado. As previsões
desenham que a África será o continente mais afetado. Causas: falta de saneamento,
falta de investimentos nas áreas sociais, econômicas e hospitalares. Falta
comida e bebida, não tem água potável. África perdeu a capacidade de
concretizar o modelo cristã expresso na oração de Jesus para com os seus
discípulos? Jesus ensinou que quando orares diz: “Pai nosso que estás nos céus,
santificado seja o teu nome, venha o teu reino, seja feita a tua vontade assim na terra como nos céus, o PAO NOSSO DE
CADA DIA NOS DÁ HOJE, perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos
nossos devedores,” (Mt. 6.9-12).
Nesta oração temos duas formulações sociais
importantes: Primeiro “o pão nosso de cada dia”. A África não tem esse pão de
cada dia. O que fazer para que a mesa do africano/angolano não lhe falte o pão
nosso de cada dia? O segundo “perdoa as
nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores,” (Mt. 6.9-12).
No pão nosso de cada dia e no perdão das ofensas está o querigma de Jesus, o
protótipo do reino de Deus.
Para a resposta assiste-se as notícias
como:
“Governos africanos pedem eventuais
ajudas financeiras um total de 100 mil milhões de dólares (91 mil milhões de
euros) em assistência, incluindo o apoio a uma moratória da dívida externa e,
eventualmente, perdão de dívidas.
O ministro das Finanças do Gana,
Ken Ofori-Atta, apelou diretamente à China que alivie o peso da dívida dos
países africanos.
O Presidente sul-africano, Cyril
Ramaphosa, apela de semelhante aos países-membros do G20 o relaxamento da
dívida.
O Presidente angolano juntou-se a outros
17 chefes de Estado e de Governo de países africanos e europeus que apelam a uma
moratória urgente da dívida e pacotes de assistência económica e sanitária.” [2]
“O G20, grupo de maiores potências e potências
emergentes, acordou uma moratória de um ano em relação ao pagamento das dívidas
dos países mais pobres, incluindo muitos Estados em África. A medida visa dar
tempo aos países mais pobres que estão a braços com a pandemia do novo
coronavírus.”[3]
Assim por diante.
Analisando esses pedidos versos as respostas concedidas
para o empréstimo não correspondem aos ideários do decálogo. Receber empréstimo
por cima de uma dívida é assumir ser eternamente devedor. O método mais sutil da espoliação. Roubar as terras africanas foi
sempre o sonho do imperialismo internacional dentro dos sistemas capitalista. Torna-se
difícil enquadrar a oração de Jesus sobre o perdão das dívidas nesta visão de
conjuntura internacional. Pai perdoa as nossas dívidas assim como perdoamos
aqueles que nos ofendem. Nesta formulação ética de Jesus pudemos perceber que o
cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo já o fez com o seu sangue na
cruz. O sangue do cordeiro foi derramado em sacrifício para que não haja mais
outros sacrifícios humanos para a remissão dos pecados e que todos(as) fossemos
um, assim como ele o é com o pai. Não faz sentido continuar a se observar os
sacrifícios de milhares de crianças a procura de um pedaço de pão seco (África)
quando outras dezenas de crianças têm bastante até para sobrar.
O perdão da dívida aos países africanos passa
eticamente pelo pedido de perdão do ocidente á Deus pelos todos os males que a
história regista aos filhos deste continente tornando-os pobres e dependentes,
extorquindo suas identidades e culturas, confinando num estado de fome,
desnutrição, pobreza.
3.
PARA
QUE NÃO HAJA POBRE ENTRE OS TEUS IRMÃOS
O perdão da dividida tem como finalidade a
inexistência do pobre (Dt. 15. 1). A intenção do livro de Deuteronômio consiste
em criar o código de conduta para o povo que tem Deus como seu Senhor, mantendo
a coesão do povo israelita no monte Sinai. Este versículo faz parte da
estrutura central do código de ética presente no livro de Deuteronômio. O
perdão da dívida se dá justamente durantes as festividades do ano jubilar[4].
O texto do decálogo selecionado inicia com o adverbio
de modo “quando”. Este adverbio tem a sutilidade de antecipar uma ação
por acontecer como possibilidade concreta. O mesmo abre a porta na ética deuteronomista
indicando a previsão de segurança para qualquer israelita quer seja trabalhador
ou não. Porém este israelita “dentre os teus irmãos pobres, que esteja a
viver em qualquer das cidades, na terra que o Senhor teu Deus te dá não
endurecerá o teu coração, nem fecharás a tua mão ao teu pobre.” A
preocupação está em resguardar qualquer israelita que no período das colheitas
não tivesse sucessos e por conta de isso cair no infortúnio de instabilidade
financeira. O insucesso na colheita pode
ser originado de circunstancias quer sejam de ordem nas variações climática,
implicações sociais. Ou ainda por razões
de morte do seu parente como viúvas, órfãos estrangeiros e outros. Porém este necessitado não importa o lugar
geográfico que ele esteja, deve ser protegido. Deus advoga a geografia para si,
como espaço de seu domínio. A terra como espaço comum, casa comum, os critérios
sociais como: solidariedade, hospitalidade e partilha de bens devem ser
respeitadas. Pois, na terra que o Senhor teu Deus te dá, não endurecerá o
teu coração, nem fecharás a tua mão ao teu irmão pobre. V.8 Antes lhe abrirás
de todo a tua mão e livremente lhe emprestarás o bastante para a sua
necessidade… A finalidade do jubileu é para que não haja pobre entre
teus irmãos.
Pois empréstimo com mais dívida não é ajuda
humanitária. Ajuda humanitária é o que está estabelecido no código da aliança:
o ano da remissão. Este pobre é teu irmão não importando a cidade em que ele
esteja, esse deve merecer a sua ajuda incondicional. Por isso adverte: “Guarda-te
que não haja pensamento vil no teu coração e venhas a dizer: a aproxima-se o
sétimo ano da remissão, e que o teu olho não seja maligno para com o teu irmão
pobre, e não lhe dês nada…” (15.9). O código da aliança não abre a possibilidade
de pensar que seja pago com restrições.
Em suma, a África é irmão de Outrem? É a África um
devedor, pobre? Portanto essas e outras perguntas podem não terem respostas,
mas a própria história denuncia os factos. Porém uma coisa é certa: “apenas
uma vitória global que englobe totalmente o continente africano pode acabar com
essa pandemia. Podemos vencer esta batalha, mas para isso precisamos de agir
agora, com a racionalização do tempo e dos recursos disponíveis. Caso
contrário, a pandemia afetará, de forma severa, particularmente África,
prolongando a crise globalmente”[5].
Deus, o Pão nosso de cada dia, nos dá hoje. Perdoa-nos as nossas dívidas,
assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Não nos deixes cair em tentação,
mas livra-nos do mal” (Mt.6.11-13). Neste querígma está a esperança da
África/Angola.
[1] Relatorio da OMS https://www.dw.com/pt-002/fmi-devia-ter-ido-bem-mais-longe-no-perd%C3%A3o-da-d%C3%ADvida-aos-pa%C3%ADses-pobres/a-53122843 16 abr 2020
15h43 - atualizado em 17/4/2020 às 15h16
[2]
https://www.bing.com/search?q=Dívida+dos+países+pobres+para+pagar+este+ano+é+de+25%2C5+mil+milhões+de+dólares+•%09++Lusa+·+Economia+·+7+abr+2020+09%3A39&form=PRPTPT&httpsmsn=1&msnews=1&refig=565f31d2b2f94
[3]
http://www.rfi.fr/pt/áfrica/20200418-macky-sall-defende-o-perdão-da-dívida-africana?xtor=CS1-51-[Desktop]-[Microsoft
[4] O Jubileu é cinquenta após sete
semanas de anos, o qual prevê entre outras coisas, a volta de todos os bens de
raiz, alienados durante este período, à família do proprietário (Lv. 25.24ss).
Estas festas possibilitam recordar que Javé é o único Senhor e verdadeiro
proprietário de todos os bens. O jubileu tem sua estreita ligação com o ano
sabático, onde o Sabático é o sétimo de uma semana de anos, durante o qual os
campos são deixados em repouso (Ex 23.10ss). Em Lv.25.1ss, os escravos hebreus
são libertados Ex.21.2ss e as dívidas entre israelitas perdoadas Dt. 15.1.
[5]
https://africa21digital.com/2020/04/15/governo-angolano-junta-se-a-pedido-de-moratoria-urgente-da-divida/
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