Quais as relações da
religiosidade com a saúde e os processos de cura? De que formas os indivíduos e
comunidades vivenciam a doença, o sofrimento, a dor e as práticas de cura? Um efeito
fundamental da religião é alterar o significado de uma doença para aquele que
sofre, não implicando necessariamente remoção dos sintomas, mas mudança positiva
dos significados atribuídos à doença. A religiosidade dá sentido à vida, diante
do sofrimento, ao criar uma rede social de apoio. Os estudos da religião têm diante de si um enorme desafio, de modo especial a antropologia da religião.
A seguir alguns materiais para aprofundar:
1 - A relação entre ciências sociais,
antropologia e saúde
https://www.scielo.br/pdf/sausoc/v22n4/06.pdf
Com o desenvolvimento da corrente
interpretativa da antropologia surge uma nova concepção da relação entre
indivíduo e cultura, e torna-se possível uma verdadeira integração da dimensão
contextual na abordagem dos problemas de saúde (Uchôa e Vidal, 1994). O campo
da antropologia da saúde, ao valorizar as muitas interpretações do fenômeno
saúde/doença, procura entender as formas por meio das quais os indivíduos expressam
e interpretam o sofrimento e a dor, bem como os sistemas terapêuticos. Esse
crescente interesse na antropologia pelo fenômeno saúde/doença se distancia da
visão do modelo hegemônico, biologicista e mecanicista da medicina,
aproximando-se da análise pelo viés sociológico e cultural das diferentes
terapêuticas, suas conformações institucionais e especialidades diversas. É
possível destacar uma pluralidade de pensamentos e práticas de cura presentes
nas sociedades, em que o papel da cultura aglutina os elementos de crenças e
costumes de vários grupos. Existe uma grande variedade de interpretações
discursivas de médicos e pacientes em que a doença pode ser estudada em seus
aspectos simbólicos, muitas vezes, por meio das próprias narrativas dos
sujeitos adoecidos, conforme se verifica em diversos estudos (Costa, 2010;
Caprara e Landim, 2008; Nunes, 2006; Carvalho, 2005; Alves e Minayo, 1994).
Sabemos que a experiência da doença é ao mesmo tempo individual e social; ela
pertence ao domínio do privado e ao espaço público “[...] a história da saúde é
também a história dos países e cidades, do trabalho, das guerras e das viagens”
(Herzlich, 2004, p. 384).
(…) sob a ótica da religião, que o
sofrimento não é eliminado. Assim, a pessoa deve compreendê-lo, tolerá-lo e
suportá-lo. Ou seja, mais do que ser consolada, ela deve aprender a lidar com o
sofrimento. Nesse sentido, a religião permite compreender os recursos do ser
humano para expressar emoções, compreender o mundo, influenciando positivamente
suas situações de vida, ajustando as ações e experiências humanas. O discurso
religioso possibilita pensar os problemas dentro de uma lógica ordenada,
oferecendo um critério de classificação e representando uma integração dos
acontecimentos desordenados, tornando suportáveis “[...] para o espírito as
dores que o corpo se recusa a tolerar [...]” (Lévi-Strauss, 2003, p. 228); e
isso, muitas vezes, é interpretado como a “cura”.
___________________________________________________________________________
2- Raça, Sangue e Robustez. Os
paradigmas da Antropologia Física colonial portuguesa
«Como se deve estudar um preto do
ponto de vista antropológico»
1Em 9 de Agosto de 1946, Joaquim dos
Santos Júnior, médico e professor na Faculdade de Ciências da Universidade do
Porto, ministrava na cidade de Quelimane, no Norte de Moçambique, perante a
população europeia local, uma palestra no âmbito dos trabalhos que vinha a
desenvolver naquela região e paragens circunvizinhas. Finalmente, poderiam as
autoridades locais e a população europeia em geral perceber o alcance e
objectivos das visitas anuais daquele distinto médico e professor universitário
da Metrópole que, desde há dez anos àquela parte, insistia em se embrenhar no
mato para estudar os «indígenas». O título da lição-conferência aos habitantes
europeus de Quelimane era «Como se deve estudar um preto do ponto de vista
antropológico» e reproduzia, no essencial, uma conferência que Santos Júnior
tinha apresentado no ano anterior, durante a sua anterior visita a Moçambique,
na cidade da Beira. Nesta cidade, em 9 de Novembro de 1945, Santos Júnior
proporcionara aos colonos aí residentes os conhecimentos de «Como se deve
estudar um preto. Lição sobre o modo (exemplificando com um indígena) como se
observam os caracteres descritivos e se tiram algumas medidas de maior
interesse antropológico». A conferência-lição da Beira, depois de repetida em
Quelimane, seria ainda ministrada, em 6 de Outubro de 1946, em Nampula (sob o título,
mais prosaico, de «Antropologia Colonial»), encerrando aí o ciclo de sessões de
esclarecimento que aquele médico e antropologista da «escola do Porto»
apresentou nas principais cidades do Centro e Norte de Moçambique (SANTOS
JÚNIOR, 1952: 3).
§
1 Decreto-Lei n.º 26 842, de 28 de Julho de 1936.
2A «escola do Porto» marcou
decisivamente a orientação do pensamento antropológico português por toda a
primeira metade do século, quer essa Antropologia se referisse ao perímetro
metropolitano, quer se reportasse aos territórios coloniais. António Augusto
Mendes Corrêa, médico, doutorou-se em Antropologia Física em 1921, o que em
muito explica o sentido antropobiologista da escola que tutelou (RODRIGUES,
1990: 11). No que respeita ao terreiro colonial, as primeiras acções de vulto
desta escola ocorreram a partir de 1936, quando o então Ministro das Colónias,
Francisco Vieira Machado, determinou o envio de missões antropológicas às
colónias com o objectivo de proceder ao «conhecimento dos grupos étnicos de cada
um dos nossos domínios ultramarinos, ou seja, a elaboração das respectivas
cartas etnológicas»1.
_____________________________________________________________________
3- Artigos escritos por antropólogos
sobre Saúde em África: para abrir o texto é só clicar nos itens abaixo
https://ebolacommunicationnetwork.org/anthropology-and-ebola-communication/?lang=pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário