sábado, 16 de maio de 2020

«Como se deve estudar um preto do ponto de vista antropológico» - escritos antropológicos sobre saúde e religião em África



Quais as relações da religiosidade com a saúde e os processos de cura? De que formas os indivíduos e comunidades vivenciam a doença, o sofrimento, a dor e as práticas de cura? Um efeito fundamental da religião é alterar o significado de uma doença para aquele que sofre, não implicando necessariamente remoção dos sintomas, mas mudança positiva dos significados atribuídos à doença. A religiosidade dá sentido à vida, diante do sofrimento, ao criar uma rede social de apoio. Os estudos da religião têm diante de si um enorme desafio, de modo especial a antropologia da religião.



A seguir alguns materiais para aprofundar:



1 - A relação entre ciências sociais, antropologia e saúde
https://www.scielo.br/pdf/sausoc/v22n4/06.pdf

Com o desenvolvimento da corrente interpretativa da antropologia surge uma nova concepção da relação entre indivíduo e cultura, e torna-se possível uma verdadeira integração da dimensão contextual na abordagem dos problemas de saúde (Uchôa e Vidal, 1994). O campo da antropologia da saúde, ao valorizar as muitas interpretações do fenômeno saúde/doença, procura entender as formas por meio das quais os indivíduos expressam e interpretam o sofrimento e a dor, bem como os sistemas terapêuticos. Esse crescente interesse na antropologia pelo fenômeno saúde/doença se distancia da visão do modelo hegemônico, biologicista e mecanicista da medicina, aproximando-se da análise pelo viés sociológico e cultural das diferentes terapêuticas, suas conformações institucionais e especialidades diversas. É possível destacar uma pluralidade de pensamentos e práticas de cura presentes nas sociedades, em que o papel da cultura aglutina os elementos de crenças e costumes de vários grupos. Existe uma grande variedade de interpretações discursivas de médicos e pacientes em que a doença pode ser estudada em seus aspectos simbólicos, muitas vezes, por meio das próprias narrativas dos sujeitos adoecidos, conforme se verifica em diversos estudos (Costa, 2010; Caprara e Landim, 2008; Nunes, 2006; Carvalho, 2005; Alves e Minayo, 1994). Sabemos que a experiência da doença é ao mesmo tempo individual e social; ela pertence ao domínio do privado e ao espaço público “[...] a história da saúde é também a história dos países e cidades, do trabalho, das guerras e das viagens” (Herzlich, 2004, p. 384).

(…) sob a ótica da religião, que o sofrimento não é eliminado. Assim, a pessoa deve compreendê-lo, tolerá-lo e suportá-lo. Ou seja, mais do que ser consolada, ela deve aprender a lidar com o sofrimento. Nesse sentido, a religião permite compreender os recursos do ser humano para expressar emoções, compreender o mundo, influenciando positivamente suas situações de vida, ajustando as ações e experiências humanas. O discurso religioso possibilita pensar os problemas dentro de uma lógica ordenada, oferecendo um critério de classificação e representando uma integração dos acontecimentos desordenados, tornando suportáveis “[...] para o espírito as dores que o corpo se recusa a tolerar [...]” (Lévi-Strauss, 2003, p. 228); e isso, muitas vezes, é interpretado como a “cura”.



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2- Raça, Sangue e Robustez. Os paradigmas da Antropologia Física colonial portuguesa



«Como se deve estudar um preto do ponto de vista antropológico»
1Em 9 de Agosto de 1946, Joaquim dos Santos Júnior, médico e professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, ministrava na cidade de Quelimane, no Norte de Moçambique, perante a população europeia local, uma palestra no âmbito dos trabalhos que vinha a desenvolver naquela região e paragens circunvizinhas. Finalmente, poderiam as autoridades locais e a população europeia em geral perceber o alcance e objectivos das visitas anuais daquele distinto médico e professor universitário da Metrópole que, desde há dez anos àquela parte, insistia em se embrenhar no mato para estudar os «indígenas». O título da lição-conferência aos habitantes europeus de Quelimane era «Como se deve estudar um preto do ponto de vista antropológico» e reproduzia, no essencial, uma conferência que Santos Júnior tinha apresentado no ano anterior, durante a sua anterior visita a Moçambique, na cidade da Beira. Nesta cidade, em 9 de Novembro de 1945, Santos Júnior proporcionara aos colonos aí residentes os conhecimentos de «Como se deve estudar um preto. Lição sobre o modo (exemplificando com um indígena) como se observam os caracteres descritivos e se tiram algumas medidas de maior interesse antropológico». A conferência-lição da Beira, depois de repetida em Quelimane, seria ainda ministrada, em 6 de Outubro de 1946, em Nampula (sob o título, mais prosaico, de «Antropologia Colonial»), encerrando aí o ciclo de sessões de esclarecimento que aquele médico e antropologista da «escola do Porto» apresentou nas principais cidades do Centro e Norte de Moçambique (SANTOS JÚNIOR, 1952: 3).

§  1 Decreto-Lei n.º 26 842, de 28 de Julho de 1936.

2A «escola do Porto» marcou decisivamente a orientação do pensamento antropológico português por toda a primeira metade do século, quer essa Antropologia se referisse ao perímetro metropolitano, quer se reportasse aos territórios coloniais. António Augusto Mendes Corrêa, médico, doutorou-se em Antropologia Física em 1921, o que em muito explica o sentido antropobiologista da escola que tutelou (RODRIGUES, 1990: 11). No que respeita ao terreiro colonial, as primeiras acções de vulto desta escola ocorreram a partir de 1936, quando o então Ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado, determinou o envio de missões antropológicas às colónias com o objectivo de proceder ao «conhecimento dos grupos étnicos de cada um dos nossos domínios ultramarinos, ou seja, a elaboração das respectivas cartas etnológicas»1.

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3-  Artigos escritos por antropólogos sobre Saúde em África: para abrir o texto é só clicar nos itens abaixo

https://ebolacommunicationnetwork.org/anthropology-and-ebola-communication/?lang=pt



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