- Carta Pastoral da Igreja Católica Romana em Angola e São Tomé.
Dirigida a toda comunidade de irmãos e irmãs faz 4 exortações e reconhecimentos e um chamado à solidariedade:
1- Aos sacerdotes e consagrados em geral recomendamos: não abdiqueis das vossas responsabilidades pastorais, animando a pastoral
2- Às famílias cristãs, e não só, recordamos: sois igrejas domésticas
3- Uma palavra de reconhecimento e encorajamento às autoridades governamentais, com destaque para as autoridades sanitárias dos nossos países.
4- Rezamos, igualmente, pela vossa protecção, vós médicos, enfermeiros, agentes de saúde, forças ~
de segurança, voluntários que, neste período de emergência
>> (participem) activamente das campanhas nas dioceses e comunidades paroquiais atravéss do Fundo de Solidariedade
leia a nota na íntegra: _________________________________________________________
NOTA PASTORAL CONFERÊNCIA EPISCOPAL DE ANGOLA E SÃO TOMÉ - CEAST
Amados irmãos e irmãs,
A paz esteja convosco!
1. Angola e S. Tomé e Príncipe, como tantos outros países no
mundo vivem, hoje, em Estado de Emergência, decretado pelas competentes
autoridades nacionais, devido à pandemia da COVID-19: uma doença extremamente
contagiosa, mortífera, que se expande rapidamente; com milhões de infectados no
mundo, centenas de milhar de mortos e, para já, sem horizonte temporal em
relação à sua duração nem em relação a soluções médicas eficazes.
2. É um Estado de Emergência necessário, imprescindível e
urgente com todas as suas vigentes medidas de prevenção e que tem provocado
muitos constrangimentos na vida social e eclesial. Paralisou, em grande medida,
a vida em vários domínios: convívio social, trabalho e produtividade,
fechamento de escolas de todos os níveis; mercado informal, de que vive a
maioria da população, fortemente afectado; pobreza e fome que se agravam, de
dia para dia; agravamento de outras doenças endémicas já presentes na sociedade
antes desta nova e imprevisível doença; violência que cresce, incerteza, dúvidas
e perturbações que se levantam nos corações em relação ao futuro, começando já
a afectar o próprio equilíbrio mental das pessoas confinadas, criando ainda
mais conflitos e frustrações.
3. A nível da pastoral da Igreja destacamos, sobretudo, duas
das mais graves consequências do isolamento social: a suspensão das celebrações
dos sacramentos em geral, com destaque para a celebração da Eucaristia com a
presença física dos fiéis; a suspensão da catequese e de outras actividades
pastorais vitais dos vários grupos de apostolado laical.
4. «Nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem dos que
O amam» (Rom. 8, 28). Felizmente, à luz da nossa fé, não vemos apenas coisas
negativas nos acontecimentos históricos mas, nos sinais dos tempos, vemos Deus,
o Senhor da história, a agir. Foram precisos planos de contingência e de
emergência a nível mundial para fazer face a este flagelo global. Mesmo as
nações mais fortes desde o ponto de vista do poder científico-técnico e
económico-financeiro, que pensavam que estariam, porventura, imunes a qualquer
epidemia, não estão a ser poupadas. Podemos dizer que o vírus abateu as
barreiras geográficas, as condições sociais, económicas, hierárquicas: ricos e
pobres, grandes e pequenos, letrados ou iletrados, ninguém goza de imunidade.
Este acontecimento obrigou-nos a sentirmo-nos como parte de uma humanidade
comum, na fragilidade. Oxalá pudéssemos sê-lo na fraternidade e na
solidariedade.
5. Tendo presente as actualizações constantes sobre o
evoluir da doença, sobretudo em países com mais unidades sanitárias e maior
poder organizativo e económico-financeiro, aumenta o nosso receio perante a
precariedade das condições de vida dos nossos povos, a insuficiência de
unidades sanitárias capazes de responder à demanda em caso de uma situação que
fique fora de controle, a precariedade das nossas habitações/casas e o número
de pessoas por família, para que se garanta o sucesso em caso de quarentena
domiciliar.
6. Como pastores, preocupa-nos ainda a falta de colaboração
com as autoridades sanitárias no respeito do cumprimento rigoroso das medidas
de prevenção por parte de vários cidadãos; a desobediência às normas
estabelecidas; a situação de desespero por causa da miséria, que força muitos a
sair de casa para procurar alimentos e água potável para a sua subsistência e,
por isso, a não poder “ficar em casa” como exigido; a violação da cerca
sanitária mesmo perante a inquietante existência de doentes assintomáticos da
COVID-19; a entrada na época do cacimbo, um tempo mais frio e mais propício a
várias gripes que bem conhecemos; o uso e abuso desproporcional da força por
parte de alguns agentes de defesa, protecção e segurança que, em várias
ocasiões, também são agredidos no exercício do cumprimento da sua missão de
proteger a vida das populações; os eventuais desvios e a idolatria ao
“deus-dinheiro”, por parte de gente que está a fazer negócio e a enriquecer,
indevidamente, com a pandemia, vendendo a preços exorbitantes os bens de
primeira necessidade e os equipamentos de biossegurança que, de resto, são
insuficientes para a demanda; a distribuição de bens da cesta básica às
famílias e pessoas mais vulneráveis nem sempre isenta de discriminação e
aproveitamentos da situação com intenções inconfessas; os falsos profetas e os
charlatães de ocasião que vendem curas fáceis e que se aproveitam da ignorância
ou negligência de muitos em relação ao perigo real que representa a COVID19.
Que as autoridades competentes estejam atentas e punam os prevaricadores.
7. Perante este quadro cheio de sombras, mas também com
alguns sinais de esperança, caso se respeitem as medidas contidas nos decretos
presidenciais, apelamos para um compromisso mais público da Igreja para com os
mais necessitados, tornando ainda mais forte o nosso sistema de solidariedade.
7.1. Aos sacerdotes e consagrados em geral recomendamos: não
abdiqueis das vossas responsabilidades pastorais, animando a pastoral
caritativa e os valores evangélicos da solidariedade, da compaixão, da
preocupação pela vida própria e alheia; vendo em cada pobre e necessitado, o
próprio Jesus que, continuamente, nos recorda ser feito a Ele o que fizermos
aos nossos irmãos mais pequeninos (cfr. Mt. 25, 40). Além disso, vos exortamos
a aproveitar este momento para explorar, com criatividade, novas formas de
evangelização e de animação pastoral. O confinamento social oferece-nos imensas
possibilidades de viver de forma nova o ministério sacerdotal e a missão da
vida consagrada na Igreja.
7.2. Às famílias cristãs, e não só, recordamos: sois igrejas
domésticas, lugares da prática das virtudes cristãs, com particular atenção à
protecção de menores, vossos filhos; espaços privilegiados de oração em
família, de meditação da Palavra de Deus e do ensinamento da Igreja, traduzidos
na salvaguarda da comunhão e unidade familiares e prática da caridade, no
perdão e na compreensão das fraquezas e fragilidades, coisas que talvez não
valorizáveis tanto antes do isolamento social. Pode ser também um tempo
privilegiado para a descoberta de dons e qualidades que nunca imaginastes
existirem em certos membros da vossa família. Procedei em tudo como pessoas
chamadas a ser portadoras daquela esperança que não desilude, porque não
engana. Descobri o valor e a força da comunhão espiritual, nestas
circunstâncias especiais em que não podeis participar fisicamente das missas. O
isolamento social vos ajude a melhor descobrir e valorizar a família cristã. De
facto, a pandemia e o confinamento estão a ajudar-nos a redescobrir a
centralidade da família como uma instituição fundamental, onde somos acolhidos
e amados incondicionalmente. Hoje em dia ficamos confinados em família. Na
família, sentimo-nos protegidos e sustentados. Mesmo reconhecendo,
infelizmente, a existência de alguns episódios de violência doméstica, os crentes
estão a experimentar o valor da família como lar e uma verdadeira Igreja
doméstica. Damos graças a Deus pelo dom das famílias e rezamos para que sejam
cada vez mais escolas de fé e de vida.
7.3. Uma palavra de reconhecimento e encorajamento às
autoridades governamentais, com destaque para as autoridades sanitárias dos
nossos países. Encorajamo-las a socorrerem a todos indistintamente, sem outros
fins que não sejam o bem e a saúde pública dos cidadãos, buscando soluções
sociais e económicas com patriotismo, clarividência, espírito de solidariedade
e sentido de Estado. Entretanto, o Estado de Emergência está a revelar a
relevância das fragilidades do nosso sistema de governação: carências enormes
no acesso à água potável e à energia eléctrica pela população em geral; falta
de saneamento básico e estruturas eficazes de saúde; pobreza nos meios da
sustentabilidade alimentar, com a vida de grande parte da população a depender
de uma agricultura de subsistência e do instável comércio informal de pequeno
vulto. Louvamos o esforço das nossas autoridades para acudir às graves
necessidades do momento e pensamos ser necessário, no futuro, tirar lições. As
deficiências que hoje notamos no sistema de saúde, a falta de água para todos e
outras deverão figurar entre as prioridades, numa espécie de “estado de
emergência” permanente, embora sem confinamento social. É missão nossa, como
Igreja, rezar por vós e animar e agradecer os vossos esforços nesta luta contra
a pandemia.
7.4. Rezamos, igualmente, pela vossa protecção, vós médicos,
enfermeiros, agentes de saúde, forças de segurança, voluntários que, neste
período de emergência, estais na vanguarda arriscando a própria vida para
salvar outras vidas. Pedimos que vos distingais pela atenção a cada doente, independentemente
da sua condição social e da situação clínica que apresente. Pedimos,
igualmente, que não baixeis a guarda em relação às endemias habitualmente
presentes na nossa sociedade (a malária, por exemplo), pois elas continuam a
fazer muitas vítimas entre nós e devem ser combatidas com igual rigor. Que o
Senhor acompanhe a vossa fadiga heróica e vos dê força, bondade e saúde.
Rezamos ainda por vós, homens e mulheres de ciência para que não desanimeis na
procura de soluções acertadas para vencer este vírus. A nossa oração não vos
deixa de fora, a vós, jornalistas dos vários órgãos de comunicação social que,
na presente situação de pandemia, tudo tendes feito para informar,
sensibilizar, educar e chamar a atenção para as várias situações que clamam por
socorro, alertando a quem de direito para que encontre as devidas soluções dos
problemas que se apresentam.
8. Estamos no Tempo Pascal, tempo da vitória definitiva da
vida sobre a morte e em que Jesus, o Ressuscitado, promete o envio do Espírito
Santo Paráclito, o Espírito da verdade, presente e actuante no seio e vida da
Igreja e garante da sua missão como seu principal protagonista. O Tempo Pascal
é propício para o reforço da nossa fé e confiança em Deus, certos de que o amor
de Deus é mais forte e far-nos-á sair vencedores de qualquer mal que nos possa
atingir.
9. A situação da pandemia que estamos a viver converta-se,
então, em oportunidade para darmos razão da nossa esperança e da diferença que
um cristão deve fazer, especialmente, nos momentos mais difíceis da história humana.
Vivamos em espírito de solidariedade e fraternidade a nossa proximidade a
tantas situações de pobreza e mesmo de miséria, agravadas pelo Estado de
Emergência. Participemos, activamente, em todas as campanhas já em curso em
várias dioceses junto das comunidades paroquiais, tornando mais eficiente o
“Fundo de solidariedade”, contando com os leigos financeiramente mais capazes;
colaboremos na recolha e distribuição de víveres, e da contribuição financeira
a levar às famílias mais carenciadas em todo o território nacional. Cuidando cada
um de si, dos seus, dos vizinhos, estará a cuidar e a proteger a inteira
humanidade. A responsabilidade nesta luta é de todos, cada um segundo a sua
condição e dos meios de que dispõe. Façamos tudo isto em colaboração com outras
confissões religiosas e com os nossos governantes.
10. Neste tempo de provação que o Senhor nos concede,
encorajamos a firmeza na fé, a conversão profunda do nosso coração, a
constância na oração pessoal e em família, destacando as orações de súplicas
acompanhadas de práticas de penitência, certos de que a oração tem um poder
muito grande pois, segundo a promessa de Jesus, tudo o que pedirmos ao Pai em
Seu nome, não nos será negado. Exortamos também à perseverança no serviço,
feito sempre com amor e dedicação. Peçamos a Deus, nosso Pai, com confiança
filial, o fim desta terrível pandemia para que a vida possa retomar, com
serenidade, o seu curso normal.
11. Deus é por nós (cfr. Rom. 8, 31). «Quem nos separará do
amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o
perigo ou a espada? Mas, em tudo isto, somos nós mais que vencedores por Aquele
que nos amou» (Rom. 8, 35.37). Que nada nem ninguém nos separe do amor de
Cristo (cfr. Rom. 8, 35)!
12. Nesta hora de provação, confiamos e recomendamos os
nossos países e suas populações à poderosa intercessão de Maria, Mãe da Igreja,
Consoladora dos aflitos e Saúde dos enfermos.
Dado em Luanda, aos 22 dias do mês de Maio do ano de 2020
† Filomeno do
Nascimento Vieira Dias Arcebispo de Luanda e presidente da CEAST
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