- “Em Cristo não há homem nem mulher”, mas em muitas igrejas em toda a África a desigualdade de gênero é a norma, que muitas vezes é justificada. A igreja tornou-se uma ferramenta que gera a segregação de gênero, em apoio ao patriarcado. O estupro em casamentos é dificilmente abordado, e as mulheres são ensinadas a serem submissas no casamento. As igrejas são culpadas de acordo com a acusação? Como alguns desses ensinamentos devem ser desafiados e alterados? "
Seriam as igrejas neotradicionais e neopentecostais mais abertas para liderança de mulheres ou somente adaptação ou modelo de poder masculino? Alguns materiais para reflexão e debate:
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- Saberes e práticas de cura nas igrejas neotradicionais em
Luanda: carismas, participação e trajetórias das mulheres
Fátima Viegase Jorge Varanda
O presente artigo analisa as visões da doença e as
trajetórias de vida de mulheres carismáticas observadas em algumas igrejas neotradicionais
localizadas no espaço urbano e periurbano de Luanda. As profetisas têm um papel
central no espaço sociocultural ecuménico da capital, realçando como a
(re)interpretação das suas biografias no contexto religioso permite criar dinâmicas
sociais inovadoras que são engendradas nos campos da saúde e da religião. Estas igrejas
ergueram templos e casas de oração e de cura, convertem e arrastam multidões,
refizeram códigos de ética e de conduta religiosa e moral, e têm um papel central
na renovação de certos rituais, com particular acuidade para a cura religiosa.
INTRODUÇÃO
A efervescência no campo religioso verificada na sociedade
angolana, e luandense em particular, principalmente depois da abertura
legislativa da década de 90 do século XX, despertou a curiosidade científica para
a realização de um estudo sobre esta temática e o impacto do fenómeno na
capital angolana.
Este artigo é corolário de uma pesquisa mais abrangente e
continuada sobre o fenómeno religioso, com especial destaque para os movimentos
religiosos carismáticos, pentecostais, proféticos e neotradicionais que
surgiram em Angola nas três últimas décadas (Viegas 2005, 2007, 2008; Sarró, Blanes
e Viegas 2008).1
O trabalho de campo foi realizado de janeiro a março de 2002
e de setembro a dezembro de 2003, sendo o terreno posteriormente revisitado no
início de 2010.2
A área de trabalho
centrou-se no espaço urbano e periurbano da província de Luanda, ou seja, englobou uma vasta área
semicircular continuamente urbanizada que se estende até Viana. A Igreja
Teosófica Espírita localiza-se no município da Ingombota, Bairro Maculusso; a
Igreja dos Primogénitos Evangélica Universal em Angola situa-se no município do
Sambizanga, bairro Petrangol; o Centro de Devoção Rainha Santa Isabel está
presente no município da Maianga, no bairro Morro Bento; a Comunidade do
Espírito Santo da Igreja da Geração Prometida situa-se no município
Cazenga, no bairro Cazenga, e em Viana, no bairro da Caop; em Viana, há
ainda a Igreja Fé da Salvação do Espírito Santo (Ifesa).
É neste espaço que se encontram as igrejas neotradicionais
em destaque neste texto, três por serem lideradas por mulheres – a
Igreja Teosófica Espírita pela profetisa Suzete Francisco, o Centro de Devoção Rainha
Santa Isabel pela profetisa Maria da Conceição Mendes, a Ifesa pela
profetisa Teresa –, e as outras porque, embora sejam lideradas por pastores, têm
na sua maioria mulheres como responsáveis pela cura espiritual.3
Nesta área, situado
em Viana, no quilómetro 12, encontra-se o Centro Terapêutico Tradicional Papá
Nzuzi. Neste centro trabalha um casal de agentes
tradicionais, o Papá Nzuzi e a sua mulher, parteira tradicional, a Mamã Glória. No
centro, aos domingos é convidado um pastor de uma igreja neotradicional ou de uma
neopentecostal para celebrar cultos aos doentes internados.
Para responder à complexidade das situações identificadas,
optou-se, metodologicamente, por um estudo qualitativo, privilegiando as conversas
informais, entrevistas semiestruturadas e abertas, e histórias de vida dos
principais sujeitos, como profetas, profetisas e crentes. Estas ações
foram levadas a cabo nos locais de culto. Observaram-se assim cultos, sessões de
cura e outros ritos
praticados nestas igrejas.
A observação participante
permitiu verificar no terreno o uso de saberes e práticas de cura nas igrejas
neotradicionais de Luanda, contribuindo para uma melhor compreensão da (re)negociação
de identidades no contexto urbano, com particular atenção às mulheres e aos
papéis que
desempenham nestas igrejas.
A ênfase na cura e no poder do Divino Espírito Santo são as
duas características sui generis nestas igrejas. No entanto, a cura processa-se
de modos diferentes e, apesar de pertencerem à mesma corrente do
Espírito Santo, elas não constituem um todo homogéneo, cada igreja possui a sua
particularidade.
Em comum, há a utilização da ideia do Espírito Santo e a
inclusão de elementos tradicionais, como farmacopeia local ou rituais que
incluem outros elementos simbólicos ressignificados localmente, usados para
conferirem força simbólica à organização da desordem vivencial individual,
social, ou às relações com antepassados ou outros espíritos.
Este texto centra-se na emergência de três profetisas de
igrejas neotradicionais: a Conceição, a Suzete e a Teresa. Estas pertencem ao
Centro de Devoção Rainha Santa Isabel, Igreja Teosófica e Igreja Fé da
Salvação, respetivamente. O pequeno relato etnográfico revela as inúmeras possibilidades
de estudo existentes num contexto ainda em forte mutação social, económica,
política e cultural.
Para continuar lendo:
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