sábado, 13 de junho de 2020

Conceição, Suzete e Teresa: a cura nas igrejas de mulheres em Angola num cristianismo dos homens



- “Em Cristo não há homem nem mulher”, mas em muitas igrejas em toda a África a desigualdade de gênero é a norma, que muitas vezes é justificada. A igreja tornou-se uma ferramenta que gera a segregação de gênero, em apoio ao patriarcado. O estupro em casamentos é dificilmente abordado, e as mulheres são ensinadas a serem submissas no casamento. As igrejas são culpadas de acordo com a acusação? Como alguns desses ensinamentos devem ser desafiados e alterados? "

Seriam as igrejas neotradicionais e neopentecostais mais abertas para liderança de mulheres ou somente adaptação ou modelo de poder masculino? Alguns materiais para reflexão e debate:

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- Saberes e práticas de cura nas igrejas neotradicionais em Luanda: carismas, participação e trajetórias das mulheres
Fátima Viegase Jorge Varanda

O presente artigo analisa as visões da doença e as trajetórias de vida de mulheres carismáticas observadas em algumas igrejas neotradicionais localizadas no espaço urbano e periurbano de Luanda. As profetisas têm um papel central no espaço sociocultural ecuménico da capital, realçando como a (re)interpretação das suas biografias no contexto religioso permite criar dinâmicas sociais inovadoras que são engendradas nos campos da saúde e da religião. Estas igrejas ergueram templos e casas de oração e de cura, convertem e arrastam multidões, refizeram códigos de ética e de conduta religiosa e moral, e têm um papel central na renovação de certos rituais, com particular acuidade para a cura religiosa.

INTRODUÇÃO
A efervescência no campo religioso verificada na sociedade angolana, e luandense em particular, principalmente depois da abertura legislativa da década de 90 do século XX, despertou a curiosidade científica para a realização de um estudo sobre esta temática e o impacto do fenómeno na capital angolana. 
Este artigo é corolário de uma pesquisa mais abrangente e continuada sobre o fenómeno religioso, com especial destaque para os movimentos religiosos carismáticos, pentecostais, proféticos e neotradicionais que surgiram em Angola nas três últimas décadas (Viegas 2005, 2007, 2008; Sarró, Blanes e Viegas 2008).1

O trabalho de campo foi realizado de janeiro a março de 2002 e de setembro a dezembro de 2003, sendo o terreno posteriormente revisitado no início de 2010.2
 A área de trabalho centrou-se no espaço urbano e periurbano da província de Luanda, ou seja, englobou uma vasta área semicircular continuamente urbanizada que se estende até Viana. A Igreja Teosófica Espírita localiza-se no município da Ingombota, Bairro Maculusso; a Igreja dos Primogénitos Evangélica Universal em Angola situa-se no município do Sambizanga, bairro Petrangol; o Centro de Devoção Rainha Santa Isabel está presente no município da Maianga, no bairro Morro Bento; a Comunidade do Espírito Santo da Igreja da Geração Prometida situa-se no município Cazenga, no bairro Cazenga, e em Viana, no bairro da Caop; em Viana, há ainda a Igreja Fé da Salvação do Espírito Santo (Ifesa).

É neste espaço que se encontram as igrejas neotradicionais em destaque neste texto, três por serem lideradas por mulheres – a Igreja Teosófica Espírita pela profetisa Suzete Francisco, o Centro de Devoção Rainha Santa Isabel pela profetisa Maria da Conceição Mendes, a Ifesa pela profetisa Teresa –, e as outras porque, embora sejam lideradas por pastores, têm na sua maioria mulheres como responsáveis pela cura espiritual.3

 Nesta área, situado em Viana, no quilómetro 12, encontra-se o Centro Terapêutico Tradicional Papá
Nzuzi. Neste centro trabalha um casal de agentes tradicionais, o Papá Nzuzi e a sua mulher, parteira tradicional, a Mamã Glória. No centro, aos domingos é convidado um pastor de uma igreja neotradicional ou de uma neopentecostal para celebrar cultos aos doentes internados.

Para responder à complexidade das situações identificadas, optou-se, metodologicamente, por um estudo qualitativo, privilegiando as conversas informais, entrevistas semiestruturadas e abertas, e histórias de vida dos principais sujeitos, como profetas, profetisas e crentes. Estas ações foram levadas a cabo nos locais de culto. Observaram-se assim cultos, sessões de cura e outros ritos
praticados nestas igrejas. 

A observação participante permitiu verificar no terreno o uso de saberes e práticas de cura nas igrejas neotradicionais de Luanda, contribuindo para uma melhor compreensão da (re)negociação de identidades no contexto urbano, com particular atenção às mulheres e aos papéis que
desempenham nestas igrejas.

A ênfase na cura e no poder do Divino Espírito Santo são as duas características sui generis nestas igrejas. No entanto, a cura processa-se de modos diferentes e, apesar de pertencerem à mesma corrente do Espírito Santo, elas não constituem um todo homogéneo, cada igreja possui a sua particularidade.
Em comum, há a utilização da ideia do Espírito Santo e a inclusão de elementos tradicionais, como farmacopeia local ou rituais que incluem outros elementos simbólicos ressignificados localmente, usados para conferirem força simbólica à organização da desordem vivencial individual, social, ou às relações com antepassados ou outros espíritos.

Este texto centra-se na emergência de três profetisas de igrejas neotradicionais: a Conceição, a Suzete e a Teresa. Estas pertencem ao Centro de Devoção Rainha Santa Isabel, Igreja Teosófica e Igreja Fé da Salvação, respetivamente. O pequeno relato etnográfico revela as inúmeras possibilidades de estudo existentes num contexto ainda em forte mutação social, económica, política e cultural.


Para continuar lendo:


Para aprofundar: 



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