Coronavírus dificulta esforços regionais para ajudar
Moçambique a conter militantes islâmicos
Há temores de que o surto de coronavírus no sul da África
possa prejudicar os esforços regionais para enfrentar um conflito crescente em
Moçambique entre tropas do governo e militantes que buscam estabelecer um
estado islâmico.
Uma insurgência que fervilha na província mais setentrional
de Moçambique desde o final de 2017 entrou em guerra aberta este ano, com os
jihadistas lançando ataques coordenados contra três grandes cidades e numerosas
aldeias em Cabo Delgado desde janeiro.
Em seu último grande ataque, os extremistas, que afirmam ser
afiliados ao grupo terrorista do Estado Islâmico, mas são conhecidos localmente
pelo nome al-Shabaab ("a juventude"), tomaram a capital do distrito
Macomia no final de maio e a ocuparam por três dias antes que os soldados os
expulsassem. Não se acredita que o grupo esteja conectado ao grupo terrorista
da Somália, com o mesmo nome.
O ministro da Defesa de Moçambique, Jaime Neto, disse em
entrevista coletiva em 31 de maio que o exército havia matado 78 militantes em
Macomia, incluindo dois líderes da al-Shabaab que eram estrangeiros, mas ele
não forneceu evidências para apoiar sua alegação.
Centenas de civis, militantes e tropas do governo morreram
em 2020 como resultado da insurgência e, de acordo com analistas de segurança,
os jihadistas estão mostrando novos níveis de sofisticação e coordenação este
ano.
A especialista em terrorismo da África do Sul, Jasmine
Opperman, disse que as recentes declarações do governo moçambicano sobre a
insurgência estão tentando criar uma narrativa de vitória para seus militares,
mas a realidade no terreno conta uma história diferente.
"O nível de planejamento e execução dos ataques de
al-Shabaab está melhorando o tempo todo", disse ela ao The Irish Times:
"Eles estão ditando onde as batalhas ocorrem. O governo reage aos ataques
quando deveria tentar controlar o momento do conflito ".
No início deste ano, Moçambique pediu à Comunidade de
Desenvolvimento da África Austral (SADC), o principal órgão intergovernamental
regional, ajuda para combater o conflito, o que também representa uma ameaça
significativa para a estabilidade regional.
Como resultado, havia grandes expectativas de que uma cúpula
de segurança da SADC na capital do Zimbábue, Harare, em 20 de maio, renderia um
compromisso regional significativo para apoiar Moçambique.
Mas de acordo com o investigador do Instituto de Estudos de
Segurança da África do Sul, Ringisai Chikohomero, o comunicado oficial da SADC
sobre o assunto era pouco mais que uma vaga expressão de solidariedade com
Moçambique.
Movimento tático
"Esta poderia ser uma jogada tática para enganar os
insurgentes, sem antecipar a próxima jogada do bloco", escreveu ele no
jornal online Daily Maverick. “No entanto, ele não gera confiança de que a SADC
está tratando o assunto com gravidade e urgência”.
Nas semanas desde a cúpula, a SADC não revelou mais nada
sobre os planos que tem para ajudar Moçambique a acabar com uma insurgência que
muitos especialistas dizem ter sua origem no tratamento inadequado do governo à
pobre população muçulmana da província rica em gás.
De fato, as Nações Unidas instaram Moçambique a usar a
criação e desenvolvimento de empregos como seu principal método para
neutralizar a crise.
Opperman, que é associado da África na Teologia Islâmica do
Contra Terrorismo, um grupo de reflexão baseado no Reino Unido, também
questiona a capacidade da SADC de enfrentar a ameaça do extremismo islâmico,
dizendo que o surto de Covid-19 está forçando os vizinhos de Moçambique a
concentrarem sua atenção internamente .
“Não vejo como as potências regionais como África do Sul e
Angola se envolverão significativamente em Moçambique quando tiverem que lidar
com o Covid-19 em casa. Na melhor das hipóteses, podemos ver tentativas deles
para garantir suas fronteiras nos próximos meses ”, disse ela.
De fato, em abril, a África do Sul empregou a maior parte de
sua força de defesa internamente para ajudar a reforçar o bloqueio contínuo de
coronavírus. Outro vizinho de Moçambique, o Zimbábue, fez o mesmo.
Embora os surtos de Covid-19 em muitos países ocidentais
tenham atingido o pico nos últimos dois meses, os países do sul da África,
incluindo a África do Sul, não esperam que suas taxas de infecção atinjam o
pico por mais alguns meses.
Isso pode significar menos atenção às dificuldades de
Moçambique por algum tempo.
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POSICIONAMENTOS PASTORAIS
Bispo da Igreja Católica de Pemba, Moçambique, denuncia ataques em
Cabo Delgado
A Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Missionária e
Cooperação Intereclesial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
teve acesso a uma entrevista exclusiva do bispo de Pemba, em Moçambique, dom
Luiz Fernando Lisboa, à rádio Sol Mansi, da diocese de Bafatá – radio da Igreja
católica da Guiné-Bissau.
No bate papo com o jornalista Iaia Quade, dom Luiz descreve
a situação de guerra que a população de Cabo Delgado, região norte de
Moçambique, tem vivido com os ataques armados que vem ocorrendo há alguns anos,
sobretudo nos distritos do norte e centro da província.
Durante a entrevista transmitida na manhã do último domingo,
dia 25 de maio, dom Luiz destaca ainda o sofrimento que o povo das comunidades
de Cabo Delgado está passando desde outubro de 2017, quando começaram os
primeiros ataques de homens armados, o que tem deixado um rastro de dor,
destruição e luto.
“As pessoas vivem num clima de medo, de pavor por causa
dessa situação toda que está a acontecer. Nos últimos meses, esses ataques a
vilas provocou um deslocamento interno muito forte. Nesse momento nós já temos
mais de 200 mil deslocados internos dentro da província de cabo Delgado”, disse
o bispo ao jornalista.
Dom Luiz ressaltou que o apelo do Papa Francisco na mensagem
Urbi et Orbi (à cidade de Roma e ao mundo), no Domingo de Páscoa, 12 de abril,
recordando as guerras em andamento no mundo foi extremamente positiva porque
escancarou a crise do país que tem sofrido com a lei do silêncio.
“O Papa ter falado colocou-nos no mapa do mundo a crise que
Moçambique está a viver na nossa província de Cabo Delgado. Então, o Papa é um
líder mundial que tem uma voz muito forte. Aquilo que ele diz é respeitado e o
fato dele ter falado nos ajudou muito. Tanto é que internamente o governo
reforçou as forças de defesa, de segurança para ir ao encontro desses
guerrilheiros, desses homens armados que tem feito sofrer muito a população. Já
morreram mais de mil pessoas nessa guerra insana e temos mais de 200 mil deslocados
internos”, disse.
Com este tipo ações, acha que há o risco de surgimento de conflitos inter-religiosos em Moçambique?
LFL: Penso que não há nenhum risco de conflitos inter-religiosos nem em Moçambique nem em Cabo Delgado e tão pouco tivemos problemas entre as religiões. Nós temos vários encontros entre os lideres religiosos, já fizemos muitos encontros juntos, formações, já fizemos uma carta conjunta assinada por mim, bispo, pelos responsáveis do Conselho Cristão de Moçambique e pelos responsáveis do Congresso Islâmico e pelo Conselho Islâmico. Nós já temos uma prática de encontros de trabalhar juntos, já fizemos a caminhada pela paz, oração pela paz. Então, não há o menor risco de conflitos inter-religiosos. Eles desde o começo afastaram-se desses ataques e disseram que os que fazem isso não são religiosos, usam o nome da religião para fazerem isso.
Leia a transcrição da entrevista na íntegra:
O Conselho Cristão de Moçambique (CCM) manifestou-se hoje
preocupado com os ataques armados protagonizados por grupos desconhecidos no
norte da província de Cabo Delgado, desde outubro de 2017.
“Nós, como religiosos, estamos muito preocupados, daí que
apelamos a Assembleia da República para que juntos possamos trabalhar no
sentido de encontrarmos uma solução que nos possa trazer uma paz efetiva",
disse a presidente do CCM, Felicidade Chirinda, citada num comunicado do
parlamento.
O CCM esteve reunido hoje em audiência com a presidente do
parlamento moçambican, Verónica Macamo, em Maputo.
A visita surge pelo facto de os religiosos acreditarem que o
diálogo seja o melhor caminho para a resolução dos problemas moçambicanos.
"Entendemos que há necessidade de se estancar estes
pequenos focos do mal que podem no futuro se alastrar por todo o país, como se
viu nos outros conflitos que o país já teve", afirmou o reverendo Dinis
Matsolo, citado também na mesma nota.
Por sua vez, Verónica Macamo disse que interessa ao
parlamento ver os moçambicanos a desfrutar da paz, sossego, bem-estar e
harmonia, condições para que o país continue a lutar contra a pobreza.
"Com a paz e o bem-estar é que se pode vencer a pobreza
que assola os moçambicanos e a Casa do Povo tudo fará para que os moçambicanos
possam se ver longe deste mal", salientou a presidente do parlamento
moçambicano, citada no comunicado.
A região de Cabo Delgado, no Norte do país, vê-se a braços
com ataques de grupos armados desde outubro de 2017, após anos de conflitos
latentes entre muçulmanos de diferentes origens, com a violência a nascer em
mesquitas radicalizadas.
Pelo menos 300 pessoas já morreram, segundo números oficiais
e da população, e 60.000 residentes foram afetados, muitos obrigados a
deslocar-se para outros locais em busca de segurança, segundo as Nações Unidas.
No Centro (Manica e Sofala), 10 pessoas morreram e várias
ficaram feridas desde agosto em estradas e povoações, alvejadas pelo que se
suspeita serem guerrilheiros dissidentes da Resistência Nacional Moçambicana
(Renamo), afetando transportes de mercadorias e passageiros.

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